As Elites de “Pés de Barro”.
O Livro Bíblico de Daniel (Capítulo 2:31-35) descreve o sonho do Rei da Babilónia, Nabucodonosor II (630-561 a. C.). Num suposto sonho observou uma “enorme estátua” de “magnífico esplendor”, onde a cabeça era de fino ouro, peito e braços de prata, torço de bronze, pernas de ferro, mas com os pés de ferro e barro. Contudo, na sequência do seu sonho, observava uma pedra que, ao deslocar-se da montanha, atingia a estátua nos pés de barro e ferro, reduzindo-a a “migalhas, e, como a palha que voa da eira durante o verão, foram levados pelo vento sem deixar traço algum,…”
Pretendemos com esta analogia bíblica identificar a consistência ou inconsistência das “Elites” que vagueiam pelo nosso país, constituindo-se como referências do actual regime e que terminam, quando ele se dissolve!
Com esta afirmação, convém referir não estarmos a colocar em causa o actual regime democrático, ou sermos contra "figuras de referência", em qualquer campo da actividade humana...
Nos séculos XX e XXI, observámos a destruição das gigantescas e horríveis estátuas de Lenine e Saddam Husseim, entre outras. Sabemos da intencionalidade que tinham em comum: A perpetuação de Elites individuais, através da imposição da sua imagem em latão patinado a bronze, nos locais de maior frequência pública. Mas a resposta que a população desacreditada das Elites impostas, deu, foi semelhante ao sonho do Rei da Babilónia, Nabucodonosor II - a “pedra deslocada da montanha”. Mais tarde ou mais cedo, tal como no passado mais longínquo, o mesmo fenómeno continuará inevitavelmente a suceder, como é o caso presente do derrube das estátuas da monarquia síria de “pés de barro”, governada por Bashar al-Assad.
O termo francês “Elite” aparece no século XVIII, para designar um produto de excepcional qualidade, tornando-se posteriormente referência social ao definir alguém, ou um grupo, com estatuto hierárquico superior.
As Elites, foram fundamentalmente, quanto a nós, uma criação marxista para responder ao conceito de “classe dominante”, então atribuída na sua ultrapassada teoria sobre a Burguesia, que afinal de contas, ignoramos dela fazer parte. É Charles Wright Mills, quem melhor identifica os grupos enquanto minorias, que definem e impõem conceitos políticos, económicos e culturais. Culturais acima de tudo!
Numa conserva pessoal que tive, em 23 de Janeiro de 1998, com o então Presidente da República Jorge Sampaio, no final dos trabalhos do 5º dia da Semana da Educação, referia-me que o nosso país estava num período muito bom de progresso, e como tal, era necessário a criação de Elites Culturais. Estas Elites pretendiam ser, no seu entendimento, referências para os nossos jovens.
Consequentemente criaram-se, em diversos pontos do país, museus e estruturas com nomes de artistas e outras figuras mais ou menos intelectualizadas, atribuindo-lhes, de forma forçada, a categoria de Elite, e mais grave ainda, impondo um “Gosto” não consolidado e afirmado socialmente.
Contudo, estes actos não foram inocentes por parte dos autarcas da época. Na realidade pretendiam associar definitivamente o seu nome à Cultura, ao criarem estas estruturas museológicas, "casas da cultura", "centros interpretativos...", etc. com o forçado nome, de figuras sociais a promover de forma gratuíta.
Na maioria substancial destes casos, confirma-se actualmente, que estamos perante a “enorme estátua” de “magnífico esplendor”, mas com pés de barro.
O caso de Bragança deve ser, a médio prazo, foco de estudo aprofundado!..
Referimo-nos ao processo como se conseguiu designar alguém, como representante de um povo e de uma cultura ancestral, numa determinada área, a forma como foi conduzido e negociado este argumento inventado, as pressões políticas subjacentes, e até os possíveis interesses particulares, etc.
O Museu de Arte Contemporânea é mantido pela autarquia, na base de custos babilónicos. Com poucas visitantes, o número é "forçado" de várias formas, entre as quais, através da imposição de visitas aos alunos, por parte de alguns docentes. E nem através da custosa publicidade o espaço se consegue impor, apesar dos constantes custos promocionais realizados pela autarquia.
A autarquia financia luxuosas publicações, filmes realizados pelos melhores realizadores portugueses, publicita a estrutura a nível internacional, mas... mas... mas... no fundo,
Estamos perante um Elitismo imposto, e como tal, não consegue definitivamente afirmar-se…
Importa desde já considerar que não está em causa alguém, já que é legítimo, de forma individual, estabelecer uma qualquer linguagem artística ou literária. O que está em causa é a imposição aos transmontanos de uma linguagem única, elitista, pretendendo que se transforme forçadamente em referência única, ao nível das artes plásticas. Mais grave ainda é a mensagem individualizada que se faz passar, a nível nacional e internacional da cultura transmontana. Importa considerar que não estamos nesta abordagem a fazer um juízo de carácter ou colocar em causa a destreza profissional de alguém.
Como sabemos, a consequência antidemocrática em impor esta linguagem individualizada, terá revertido para 2º plano outros artistas, certamente de igual qualidade ou superior, que se quiseram ou querem afirmar-se em Trás-os-Montes.
Quando na cultura (não sendo de forma alguma competência ou atributo das autarquias, no nível que descrevemos) se promove e impõe alguém intencionalmente, como sendo o representante, neste caso de Trás-os-Montes, ignoramos que estamos a secundarizar outros agentes culturais e em surdina, a identificá-los como de categoria inferior. Esta incompreensível atitude é deveras gravíssima social e culturalmente!
Ao referenciarmos esta linguagem artística, como sendo de referência, e única, representativa da arte transmontana, estamos também a destruir intelectualmente as crianças e jovens, por não lhes transmitirmos o conceito de diversidade, premissa fundamental, inerente às diferentes linguagens artísticas, através da apresentação de outros artistas plásticos transmontanos.
Esses professores, como que autênticos "guias turísticos", estão a destruir pedagogicamente, a criatividade nas crianças e jovens. De forma ignorante, a formatar e a definir conceitos e linguagens artísticas, sublimando-as numa só direcção e realidade visual, que parece estar perdida num espaço - tempo.
Ninguém tem qualquer tipo de legitimidade em formatar as crianças, impondo um discurso cansativo, estereotipado, repetitivo e vazio, identificando a arte enquanto actividade hermética, só acessível a elites nomeadas.
Os conceitos e as linguagens artísticas não se impõem!
A actividade artística, individual ou colectiva, será ou não assimilada pelos públicos, se for capaz de corresponder e integrar-se cultural e socialmente. A população em geral, não deve continuar a ser tratada como ignorante no campo da cultura!
É um perfeito equívoco quando tentamos construir vários níveis de cultura diferenciando as mesmas de forma subjectiva.
Estabelecendo uma pausa no nosso discurso, importa considerar que não estamos contra as Elites. A título de exemplo, Cristiano Ronaldo constituiu-se numa Elite, já que a sua afirmação através dos resultados é indiscutível universalmente. Portanto, os pés de Cristiano Ronaldo são de ouro e não de barro (importa aqui referir que consideramos o desporto como cultura).
A afirmação de alguém, a nível cultural, não provém da designação autocrática de quem ocupa a cadeira efémera do poder, num determinado período. Desta forma constitui-se sempre, num acto não consolidado socialmente, destinado ao fracasso temporal.
No campo da cultura a afirmação pessoal estabelece-se fundamentalmente, entre outras, de duas formas:
A nível individual através do trabalho curricular afirmado ao longo de décadas, consolidado com inúmeras exposições individuais, textos escritos e, através da evolução de uma linguagem pessoal, associada à respectiva maturidade. Em arte o conceito de estagnação está ausente;
Um trabalho em prol da sociedade, já que a actividade artística não se pode dissociar do contributo social que o agente cultural deve ter. Ser-se “artista” não passa pelo exercício do mero egoísmo pessoal;
É sempre, a partir deste contributo social que aparecerá possivelmente, como consequência, o merecido reconhecimento. Devemos recordar que a maioria dos artistas jamais terá o seu reconhecimento, quer em vida, ou mesmo depois da morte.
Jamais serão os "grupinhos" regionais, “pseudo” intelectualizados, insignificantes e sem significância, que irão identificar as figuras da cultura. O mesmo se passa com a classe política que, quando pretende impor conceitos ou pessoas, simplesmente, destrói a actividade e a linguagem artística, subjugando-a ao regime efémero que lidera.
Serão os diferentes públicos, identificados na diversidade dos vários níveis culturais, que se revêem no trabalho produzido por alguém, por responder ao seu conceito colectivo e pessoal de cultura. É aqui que a Estética e a História da Arte têm um papel relevante. Exemplo que sobressai é o de Paula Rego, cujas exposições, mesmo depois de falecida, constituem autênticas peregrinações públicas, a nível nacional e internacional.
No presente caso, estamos a falar de alguém cuja medianidade já se afirmou! Apesar das visitas impostas a crianças e jovens, como já referimos, por professores do ensino básico, secundário e superior, publicações, filmes, publicidade, a reserva permanente dum edifício que foi de referência (destruído arquitetonicamente no seu interior, por uma Elite da arquitectura), das estadias pagas e os enormes custos de manutenção com funcionários, por parte da autarquia, ao longo de todos estes anos, não consegue os objectivos pretendidos em se afirmar como ELITE.
Voltamos a referir que a cultura jamais de imporá, enquanto linguagem única.
Estaremos certamente perante o conceito de Diana Santos: “Cultura – Palco de Afirmação Política”.
Acreditamos que foi o que sucedeu em Bragança…
Uma coisa é certa, esta(s) Elite(s) de “pés de barro”, que por aqui andam a ser impostas, estarão sempre associadas ao louco e vertiginoso período da governação do 1.º Ministro José Sócrates, que nos arrastou para a banca rota e que também arrastou, ingenuamente, o Eng. Jorge Nunes para estas aventuras fracassadas!
Deixamos no ar duas questões, que importa responsavelmente reflectir e responder, pela classe política dirigente, aos Transmontanos:
Até quando a Autarquia de Bragança vai continuar a disponibilizar verbas incomportáveis para manter as suas Elites, que já demonstraram incapacidade em se afirmar na comunidade?
Porque é que todas estas verbas não são aplicadas, de forma sábia, na promoção de novos artistas e transmontanos, na consolidação do trabalho dos que parecem ter sido esquecidos ou, em outras formas de cultura?
Verdadeiramente não aceitamos que os nossos impostos continuem a ser gastos desta forma individualizada e autocrática.
Quem dirige deve reflectir, e ter coragem, para inverter este projecto político que definitivamente não se afirma!